08/02/2011

RROCK! #2 - “My Hero”

Cenas dos filmes Lost in Translation e Somewhere


Há algo no universo masculino que nos remete à busca de heróis, à uma tentativa quase desesperada por encontrar no inatingível uma suposta solução para nossas crises e necessidades de afirmação. Nesse mesmo universo, recheado pelas agruras da contemporaneidade, há espaço ainda para uma insuportável solidão, onde a música, algumas leituras e filmes perdido nas madrugadas podem nos ajudar a conviver com tal sensação de vazio.

Bob Harris (Bill Murray) é uma estrela decadente de cinema que está em Tóquio para gravar um comercial de TV. Solitário, com poucas esperanças, ele encontra a igualmente solitária Charlotte (Scarlett Johansson) no bar do hotel onde estão hospedados. Sem conseguir dormir, eles se aventuram pela madrugada e tornam-se amigos quase inseparáveis. O filme? Encontros e Desencontros (Lost In Translation,2003).

Johnny Marco (Stephen Dorff) também é uma estrela hollywoodiana não tão decadente quanto Bob. Num quarto de hotel, ele parece inerte enquanto louras gêmeas executam um pole dance duvidoso ao som da música "My Hero", do Foo Fighters. No filme Um Lugar Qualquer (Somewhere), Johnny vive quase sempre sozinho, cercado por pessoas que não conhece. Essa solidão só é quebrada com a chegada de sua filha Cleo (Elle Fanning), de 11 anos.

Tais filmes têm muito mais em comum que o fato de terem sido dirigidos por Sofia Coppola. Ambos retratam a vida de pessoas perdidas num mundo que eles próprios construíram. A saber, um mundo vazio de sentidos, com relações sociais pouco consistentes e desprovidas daqueles heróis que esperamos encontrar em nosso universo. Os filmes revelam, assim, que os encontros e desencontros de nossas vidas parecem só fazer sentido quando tiramos deles o muito (ou pouco) que podem oferecer.
Foto: Divulgação

Dave Grohl
e Kurt Cobain se encontraram em um dia qualquer de suas vidas. Tornaram-se amigos e, em 1991, gravaram o segundo disco da banda que formaram juntos, o Nirvana. Smell Like Teen Spirit, a primeira faixa de Nevermind, o disco, tornou-se então uma espécie de apologia a rebeldia juvenil. Entretanto, por trás da fúria contida na letra e melodia, a música traduz um sentimento que pode, perfeitamente, unir Bob, Johnny e Kurt Cobain. Há angústia suficiente para comprovar tal afirmação. Há solidão, há dor e, no fim de tudo, a crueza dos riffs produziu algo com tanta intensidade que o rock que veio pela frente pouco, ou quase nunca, conseguiu reproduzir com tamanha honestidade.

Vinte anos depois do lançamento de Nevermind, tenho recebido e-mails de pessoas conhecidas que afirmam com enorme convicção que o Nirvana não fez nada de interessante para rock. Segundo eles, dor, angústia e sofrimento não cabem nesse universo. Os mais extremistas afirmam inclusive que o Nirvana nunca foi uma banda de rock.

Há pelo menos 20 anos não vejo tais pessoas. De lá pra cá provavelmente nossos mundos mudaram e foram marcados muito mais pelos nossos desencontros. Talvez por isso mesmo não consigo compreender nada do que dizem nos tais e-mails.

Kurt se desencontrou de Dave a partir de sua morte. Dave criou o Foo Fighters e encontrou outras pessoas, outros mundos.

Kurt foi um herói que eu nunca encontrei.

Na letra de Smell Like... tem algo que me faz pensar sempre em todos os encontros que ainda terei pela frente.

Lá, diz:

“Quando as luzes estão apagadas é menos perigoso.”


Texto publicado no blog Disclosure Vintage


http://disclosure-vintage.blogspot.com/2011/02/rrock-2-my-hero.html?spref=fb

Por Lenildo Gomes - Pesquisador Sociólogo, mestre em Sociologia pela Universidade Federal do Ceará (UFC), professor universitário, pesquisador na área de cinema e realizador em audiovisual, colaborador do Manifesto Rock Blog.

1 comentários:

A. Banks disse...

A Equipe do Disclosure Vintage agradece.
Bom Dia.

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